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Motivações para a criação de perfis fakes nas redes sociais

As redes sociais tornaram-se plataformas para o imperativo do eu. O sentimento de inadequação por não atender ao padrão social vigente pode fazer com que os indivíduos busquem alternativas ao seu desconforto.

 

Seja por meio da narrativas de falsas vidas perfeitas em contas próprias ou

pela criação de identidades fakes, o ambiente permissivo encontrado na Internet

é ideal para quem deseja reinventar a própria realidade. 

Ilustração: Ryan Yves

As mídias digitais são circuitos de feedback de validação social. Essas redes, assim como toda a internet, podem ser uma janela para o mundo. Entretanto, o que se tem visto na atualidade é que os perfis onlines servem, sobretudo, como vitrines.

Nas redes, há um constante esforço para se mostrar aos outros que a vida vai bem, que os problemas não nos afetam e que estamos sob o controle das situações. Essa necessidade de sustentar um status pode fomentar em atitudes impensadas, como provocar brigas para chamar a atenção dos demais usuários ou ostentar em nossas páginas

um cotidiano que não temos.

As mídias digitais são espaços onde podemos narrar quem somos, contudo, para nos mostrarmos mais sociáveis, abertos ou felizes, acabamos por nos transformar em personagens da nossa própria vida.

Dado o modo como os usuários utilizam essas plataformas, os perfis fakes, ou contas falsas, funcionam como um perfeito disfarce.

Por trás deles é possível estar inserido no ambiente virtual sem a necessidade de identificação. 

 

A partir da criação de identidades fakes os indivíduos podem assumir ser alguém que se enquadra nas expectativas sociais e que ocupa uma posição de poder a qual não conseguiriam atingir imediatamente na vida real. Eles podem mascarar inseguranças, temores, sentimentos de inadequação e vivenciar uma realidade alternativa onde tudo é possível.

 

A psicóloga Clara Santos explica que pessoas tímidas e que  se sentem inapropriadas à sociedade são mais propícias a criar esse tipo de conta. Também explica que pessoas que criam personas falsas no ambiente virtual para se envolver emocionalmente com outras comumente adotam em seu perfil uma identidade que seja socialmente admirada. 

 

"Fama, riqueza, status, beleza são sinônimos de sucesso dentro do nosso atual contexto social. E por mais distorcida que seja essa concepção de sucesso, infelizmente, ela encanta e seduz.", explana Clara Santos. 

 

A pressão por sempre ser uma versão melhorada de nós mesmos "para os outros"

é uma das explicações

para o surgimento

de perfis fakes.
 

Com o objetivo de dar credibilidade a conta falsa os usuários buscam imagens de indivíduos que atendam ao ideal estético eurocêntrico de beleza , ou seja, pessoas brancas e magras.

Muitas vezes utilizam fotos de modelos e também é recorrente que façam uso de sobrenomes estrangeiros originários, principalmente, do inglês.

 

Entretanto, quando o objetivo é ludibriar outras pessoas para criar laços afetivos, como romance, é comum que sejam mais discretos. Adotam um fenótipo que se aproxima do que a pessoa que pretendem enganar se interessaria. 

 

Quando a finalidade do perfil é ilegal, o que se pode observar é que o anonimato e a possibilidade de aproximação com a vítimas é o que encoraja os cibercriminosos.

 

Contudo, por mais que existam aspectos gerais que influenciam a criação de contas falsas, Clara aponta que  cada caso deve ser analisado separadamente para encontrar o que há por trás da escolha de se ter um perfil fake.
 

PERFIL FAKE PARA SE PROTEGER de bullying

A estudante de jornalismo Ana Cláudia, 19, sentiu desde a sua infância como na internet ela poderia fantasiar ser alguém que não era. Com apenas 10 anos a jovem afirmou ter um namorado na antiga rede social Orkut. No perfil, ela postava declarações de amor a si própria diariamente como se fosse um garoto chamado Guilherme. Tudo não passava de uma mentira. Por trás dessa atitude escondia-se uma menina buscando ser aceita em uma escola onde sofria bullying por não atender ao papel de feminilidade exigida as mulheres desde os primeiros anos de suas vidas. 

 

Os colegas de sala, crianças assim como ela, a xingavam e excluíam com atitudes lesbofóbicas. “Sou muito próxima do meu pai, sempre fui bem moleca, cortava o cabelo curtinho, usava papete, não usava sutiã, brincava só com os meninos. E aí todas as crianças achavam que eu era lésbica (...) E eu era super excluída, de verdade mesmo, sempre lanchava e brincava sozinha, ninguém conversava muito comigo e eu não entendia o motivo. Até que eu inventei um fake no Orkut de um menino pra ser meu namorado”, relata. 

 

Ana sustentou a conta de Guilherme, seu namorado de fachada, por um tempo até que a fantasia acabou quando uma colega de turma mandou uma mensagem para o perfil. A mensagem dizia "Você é namorado da Ana? Ah, que legal, ninguém gosta muito dela porque pensávamos que ela era lésbica e não gostamos de gente assim, mas agora que você tá com ela, vamos voltar a conversar". "Eu fiquei horrivelmente chateada porque não tem nada a ver uma coisa com a outra”, Ana desabafa. 

 

A garota contou para os seus pais a conversa que teve com essa menina e eles foram até a coordenação da escola onde tudo acontecia. Infelizmente, o despreparo da coordenadora fez com que a menina passasse por uma situação traumática de humilhação em frente aos colegas. “Ela disse que tudo isso não era nada e foi pessoalmente  na minha sala contar que esse ‘garoto’ que eu namorava não existia, que era um fake”. Ana ainda mentiu dizendo se tratar de um fake sim, mas de um amigo da mãe dela que queria manter o relacionamento secreto. Posteriormente, ao ficar sabendo disso, o rapaz, chamado Vitor, desmentiu toda a história e parou de falar com ela.

 

Após mudar de escola e receber tratamento psicológico, Ana conseguiu lidar melhor com tudo o que aconteceu.  Ela conta que no começo ficou muito receosa em voltar a usar redes sociais “Tinha medo de alguém descobrir dessas coisas e vir me cobrar, nunca se sabe. Mas depois isso passou e até hoje sou muito ligada às redes sociais. Me preocupo muito com isso, mas hoje tenho o meu perfil, o meu rosto, e lido melhor. É que talvez como eu cresci nisso, não poderia ter sido diferente, apesar de todas essas coisas ruins, é a forma que eu conheço de me relacionar com outras pessoas.

contrapontos

É certo que através de uma conta falsa os internautas ficam livres de possíveis julgamentos ou cobranças como o discurso “seja você mesmo”, afirmação que chega a ser contraditória a uma outra divulgada nas entrelinhas das redes sociocomunitárias que é a “seja a melhor versão de si para as outras pessoas”. Porém, a estratégia pode acabar dando errado. 

Até os dias atuais existe no Facebook comunidades denominadas mundo fake. Originada na rede social Orkut, que teve seu ápice no início dos anos 2000 e chegou ao fim em 2004, essa comunidade é formada por pessoas que criam contas fakes e interagem também com usuários de perfis falsos.

A comunicação funciona como uma espécie de jogo online onde o objetivo é agir como se fosse uma outra pessoa. 

Para a jornalista Bruna Ribeiro, autora da pesquisa Vida off & vida fake: antagonismo e semelhança nas redes sociais (2014), uma explicação para as pessoas buscarem tanto o mundo fake é a liberdade para agir de forma que, no mundo offline, elas não teriam coragem.

contrapontos

"Para ser quem elas tem vontade de ser. Ou mesmo para criar amizades que não consegue no mundo real, justamente por serem ‘diferentes’", conclui. Entretanto, existem contrapontos. A jornalista explica que nesse mundo fake também há preconceitos assim como na vida real, ou como denominada entre os participantes “vida off”. Ela explica como isso acontece: 

 

Mesmo no mundo fake, o diferente pode acabar sendo excluído, ou mesmo taxado de ridículo, bem como no mundo offline (...) No mundo online, esse preconceito vem, principalmente, da forma como a pessoa escreve, ou mesmo da forma como ela usa o seu 'avatar de perfil'. Posso dizer que é um preconceito que se relaciona com o preconceito que as pessoas tem de outras pela forma “diferente” como elas se vestem."

 

A VIDA COMO UM RELATO 

SOMOS O QUE POSTAMOS?

A criação de uma identidade virtual não acontece apenas quando fazemos uma conta fake. A verdade é que a nossa persona online é uma tentativa de destacar para os outros as nossas qualidades. A professora do curso de Rádio, TV e Internet Cecília Almeida explica no que consiste essa representação: 

“Toda vez que você cria uma conta em uma rede social e que você escolhe uma foto ou que você constrói uma certa representação de si naquele espaço a gente já tá falando de uma personalidade digital que não é exatamente idêntica a sua própria personalidade, você escolhe o que é que vai parar ali, qual parte

de você vai para ali.”

 

Nossa reputação virtual modifica o modo como as pessoas ao nosso redor nos julgam pois damos a elas a possibilidade de ver o mundo com o nosso ponto de vista. Essa comunicação consiste na produção de conteúdo em nossos murais para que assim tenhamos interação.

 

Porém, as redes funcionam por mecanismos próprios que atendem a interesses mercadológicos. Izabela Domingues, professora do curso de Publicidade e Propaganda também da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) afirma que vivenciamos uma época em que todos funcionamos como mídias. 

Por isso, pessoas que se destacam na internet por terem suas opiniões seguidas e validadas por um público cativo vem ganhando de fato uma visibilidade exponencial e junto a ela fama e reconhecimento como influenciadores digitais.

Os chamados influenciadores digitais ou digital influencers ganharam muita força para os negócios na atualidade eles são reflexos de uma comunicação em rede, de uma comunicação todos-todos, onde todos nós passamos a funcionar como mídias”, explica Izabel. 

 

Paula Sibilia, escritora e professora argentina naturalizada no Rio de Janeiro, em sua obra O Show do Eu: a intimidade como espetáculo (Editora Nova Fronteira, 2008) registra as mudanças que a sociedade conectada estava passando em meados do ano de 2006, época em que se popularizou o termo de Web 2.0. 

Ela apresenta o conceito de “extimidade”, que é a intimidade exposta e constantemente colocada em campo público por meio das novas ferramentas de comunicação no ciberespaço, logo, a vida privada e a pública passaram a se confundir nas redes sociais. A autora também afirma que a narração dos nossos cotidianos no mundo virtual se assemelha a produção de uma autobiografia. 

Cristhiano Aguiar, escritor, crítico literário e professor dos cursos de Letras e Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie explica que é essencial nos atentarmos ao fato de que a esfera do virtual e do mundo cotidiano não são dicotômicas.

O autor concorda em partes com a ideia de redes sociais como autobiografias. Acredita que existe um elemento de expressão da subjetividade do indivíduo que tem uma relação com esse gênero, contudo, em sua opinião os perfis digitais têm uma maior similaridade com diários. No áudio abaixo, ouça a visão dele sobre o assunto: 
 

 

AutobiografiaCristhiano Araújo
00:00 / 03:19

A psicóloga Yasmim Ferreira, afirma que as redes sociais começam a afetar a nossa saúde mental a partir do momento que não temos controle e equilíbrio frente ao uso. "Quando a gente começa a ter esse desequilíbrio demasiado ao ponto que vem comprometendo nossas atividades, compromissos, nossa qualidade de vida, vai ocorrendo toda uma alteração específica. Desde a ordem psicóloga até o nível emocional", explica.

Ela também esclarece que tudo é uma questão sobre como lidamos e como nos relacionamos com aquilo que está no nosso meio social e  adiciona que essas relações não são tecidas apenas no âmbito pessoal, mas em como interagimos com outros aspectos que nos cercam.

 

"Elas se ampliam muito, trata-se das relações que estabelecemos seja com o celular, com a rede social, com a televisão, com um programa de TV específico, com a bebida, com a comida, dentre outras", complementa. 

Yasmim afirma que a exposição na rede deixa de ser algo saudável a medida que levamos à esfera pública informações além das quais nós mesmos achamos ser necessárias. Essa é uma medida bastante relativa, pois os limites variam de pessoa para pessoa. 

A psicóloga frisa “Sempre que queremos expor algo, a gente está falando de uma necessidade e necessidade tem que ser trabalhada, tem que ser suprida no seu real sentido”. Dessa forma será possível encontrar os reais motivos por trás de nossas atitudes na rede. 

Outro ponto essencial no debate sobre como fazemos uso das redes sociais é a crescente necessidade de exposição nessas plataformas.

Até que ponto essa escrita de si deixa de ser algo natural e passa a causar danos aos internautas?

MÍDIA SOCIAL NÃO É VIDA REAL 

"Para ser realista, passei a maior parte da minha vida viciada nas redes sociais, na aprovação social, no status social e em minha aparência física. Era consumida por isso."

Essena O'Neil em sua última publicação no Instagram. 

Em 2015, a modelo australiana Essena O'Neill abandonou o Instagram, rede social onde era uma celebridade por expor um alto padrão de estilo de vida. A saída inesperada de O'Neill estampou diversos jornais ao redor do mundo, incluindo o The Guardian, por despertar a discussão acerca da relação dos usuários com as redes. Na época, a instagrammer acumulava 712 mil seguidores. Ela apagou mais de 2.000 fotografias e em outras alterou as legendas com confissões que traduziam o real processo de preparação da fotografia. Essena deletou sua conta naquele mesmo ano.

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EXPERIÊNCIAS COM FAKE

Quem nunca teve um perfil fake com toda certeza já deve ter ouvido histórias relacionadas ao tema. Seja em uma conversa na roda de amigos ou em publicações da mídia, o assunto desperta curiosidade. Para alguns, performar ser outra pessoa soa estranho ou até mesmo desconfortável. Porém, para tantos outros pode ser um modo de se reinventar. Ao refletir sobre esse assunto, surgem dúvidas como quais motivos levam alguém a criar uma conta falsa na rede. Para além de suposições, o fato é que a falsa sensação de liberdade que o anonimato na internet pode oferecer atrai milhares de pessoas em todo o globo. Confira abaixo o relato de Paulo* e Lenize Oliveira, pessoas que recorreram ao fake por objetivos diferentes. 
 

 

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O nome dela é Helena 

e talvez você

a tenha

conhecido no Tinder

O estudante universitário Paulo*, 25 anos, sabia a sua motivação ao criar o perfil de uma mulher atraente chamada Helena no aplicativo de relacionamentos amorosos Tinder. Em 2017, ele fez essa conta com o objetivo de descobrir se o tratamento que as pessoas dariam a jovem seria diferente do que ele usualmente recebia.

 

Paulo arquitetou tudo para que o perfil soasse real. O rapaz idealizou as características da pessoa que fingiria ser e buscou no Google imagens que fossem condizentes com elas. Ele tomou a precaução de achar mais de uma foto da mesma garota e também garantiu que fossem de alguém maior de idade. 

 

Posteriormente, a mulher nas fotografias seria nomeada de Helena. Quando questionado se não teve nenhum tipo de sentimento moral conflituoso ao utilizar a foto de uma pessoa que ele não conhecia, mas que tinha uma história de vida, Paulo demonstrou desassociar esse fato:

 

 “Bem, a história de vida era a que eu ia criar para ela (...) Eu acho que as pessoas que criam de fato um perfil fake abstraem esse fator, porque se elas realmente pensarem no sentido de que vão estar adulterando a história de uma pessoa real eu acho que elas não fariam, pelo menos eu não faria”. 


Após passar uma semana conversando com rapazes da sua cidade, Recife, pelo aplicativo, Helena desapareceria totalmente da rede social e sem previsão de retorno. Naquele momento, Paulo havia chegado a uma conclusão.

Eu estava meio que procurando perceber se havia uma relação entre quantidades de matchs (combinações entre usuários) e pessoas bonitas. Então, óbvio que parece fazer sentido essa correlação e me pareceu de fato, pela quantidade de matchs que obtive, é coerente essa hipótese.”,

magnólia

gabriela bardini

melody gutierrez

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A estudante Lenize Oliveira, de 22 anos, lembra bem como era a vivência do universo fake da antiga rede social Orkut. Nesse site, existiam comunidades dedicadas a um estilo de vida fake online. As pessoas jogavam entre si fingindo ser outras. Era de comum acordo que todos ali soubessem que as contas não eram reais e sim personagens. Caso quisessem poderiam mostrar sua identidade real, o qual denominavam de "off", porém, com restrições.

 

Em 2005, uma amiga de Lenize apresentou a garota uma oportunidade de viver uma nova vida. Para isso seria necessário criar um outro perfil virtual que não fosse o dela. Na época, era muito comum se usar o chat MSN e foi por lá que a jovem criou sua conta. Daquele ponto em diante Lenize passaria anos da sua vida performando ser outras garotas, posteriormente, no Facebook.

 

Nesse ambiente virtual ela fez amizades com outras pessoas que também tinham contas falsas e chegou até a namorar na vida real com um rapaz que conheceu na rede. Sua saga no mundo fake só chegou ao fim há três anos, em 2016.

 

Sua primeira fake se chamava Gabrielle Bardini. Para representar essa persona online, Lenize guardou fotos da blogueira Gabriela Sampaio que naquela época ainda não tinha o sucesso de influencer digital que tem hoje. Depois desse primeiro perfil fake a jovem criou vários outros sempre de garotas jovens que ela achava popular. Mas, enquanto no mundo fake ela era uma pessoa cheia de amigos e com uma vida animada, no mundo real se sentia insegura e sozinha.

Eu não sei se reprimida era a palavra certa, eu sempre fui uma criança gorda, uma adolescente gorda, uma jovem gorda, adulta gorda e hoje não tanto. Sabemos que ainda existe uma pressão, um preconceito, mas antes era bem pior. Como antigamente eu não pegava “ninguém”, eu sempre fui “a amiga do rolê” (...) no fake eu iria levar a vida que eu queria levar, sem sofrer”, desabafa. 

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