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CATFISH

os perigos de se apaixonar por alguém que não existe

Mesmo com tantas informações e as advertências acerca dos cuidado com relacionamentos virtuais, romances online que se revelam uma grande farsa acontecem frequentemente no ciberespaço. 

Costumavam exportar tanques de bacalhau do Alasca até a China. Eles eram mantidos em depósitos no navio. No momento em que o bacalhau chegava à China, a carne estava mole e sem gosto. Então um cara veio com a ideia de que se você colocasse esses bacalhaus no tanque com alguns bagres, os bagres iriam manter os bacalhaus ágeis.

 

E existem aquelas pessoas que são bagres na vida. Elas ficam no seu pé. Elas fazem você pensar, elas te mantêm novas. E agradeço a Deus pelo bagre, porque seria chato e maçante não ter alguém mordendo a nossa barbatana.  

 

A frase acima foi citada no documentário Catfish. O longa conta a história do fotógrafo nev schulman que foi enganado na internet por vários perfis fakes  feitos por única mulher.

 

Em inglês, o termo catfish é utilizado para se referir a esse tipo de mentira contada na rede. Em português, a palavra se refere ao peixe de água salgada bagre.

 

Viver uma história romântica é o desejo de muitas pessoas. Nos dias de hoje, apostar na roleta da sorte no amor deixou de ser algo vivido apenas no mundo físico. Esse sentimento na era digital vem acompanhado de curtidas, gifs, matchs e outras tantas formas de interação utilizadas cotidianamente pelos usuários das mídias sociais.

 

Essa dinâmica do ciberespaço oferece facilidades como, por exemplo, a possibilidade de estabelecer um contato inicial com alguém que nos sentimos atraídos através de aplicativos de paquera. Por meio das redes, o que antes demandaria tempo e uma maior habilidade social acontece com bem mais praticidade.

 

Quando estamos do outro lado da tela reprimimos menos os nossos desejos e deixamos nos  guiar pela emoção. Segundo a psicóloga Yasmim Ferreira, em razão da praticidade de se relacionar online o contato virtual facilita a intimidade  e diminui a inibição entre os usuários.

 

De fato, é mais fácil ganhar intimidade na rede, com certeza, porque entre um relacionamento virtual aqui e outro ali as pessoas priorizam mais o desprendimento. Muitas não levam como um relacionamento do fato, mas como um lance ou romance breve.”, esclarece.

“Muitas pessoas se mantém nesses relacionamento virtuais com esse conceito de buscar facilidades. Elas querem prática, querem esse desprendimento, mas isso é muito relativo, vai de cada um. Elas quebram esse padrão de relacionamento amoroso presencial pré-estabelecido.”  Yasmim Ferreira, psicóloga. 

Entretanto, também existem aqueles que no mundo virtual estão em busca de laços amorosos duradouros e vêem nas redes sociais e nos aplicativos de namoro uma forma prática de conhecer pessoas sem ter que se expor de forma desnecessária.

 

Para os que mantêm relacionamentos na web a realidade também se estende às redes. E, por isso, há casais que se conhecem através desses sites e têm relações satisfatórias, independente se são sérias ou casuais. 

relacionamentos virtuais 

sentimentos reais

Lore e Henrique.jpeg
O casal Lorena Mendonça e Henrique Miranda posa para uma fotografia juntos.
Foto: Arquivo Pessoal/Lorena Mendonça.

O MATCH CERTO: LORENA & HENRIQUE

Foi por meio de um match, que é a combinação entre usuários no aplicativo de namoro Tinder, que Lorena Mendonça, 21 anos, e Henrique Miranda, 28,  se conheceram. Entre um swipe (do inglês, deslizar ) e outro eles se encontraram. Desse dia até hoje já se passaram três anos e o casal relembra como foi conhecer um ao outro por meio do aplicativo. 

Foi por influência de suas amigas que Lorena Mendonça decidiu criar uma conta no Tinder,  “Todo mundo estava se divertindo com isso e aí eu pensei em baixar também”, conta. Entretanto, a garota ainda ficou reticente em entrar na rede, visto que sua mãe não apoiava esse tipo de exposição. Contudo, após criar uma conta, Lorena percebeu que havia muitas pessoas legais para conhecer, ela não se guiava apenas pela aparência para dar like (curtir), levava muito mais em consideração a descrição nos perfis.  

Henrique havia saído de um relacionamento de longa data há três meses e por isso resolveu conhecer novas pessoas pelo aplicativo de namoro. “Eu tinha entrado no Tinder com aquela ideia vaga de quem sabe conhecer alguém, ‘por mim, fazer amizade não vejo problema, se acontecer de conhecer uma pessoa e a conversa for legal, chegar realmente a vamos se conhecer, quem sabe rola alguma coisa’”. Após um mês utilizando a plataforma e até tendo conhecido outras pessoas, ele já estava praticamente desistindo do app e fazia uso apenas para distração entre uma hora ou outra da faculdade. 


 

O match aconteceu no dia 31 de agosto de 2016. A primeira conversa foi breve, em torno de dez minutos, entre o intervalo das aulas de Henrique. Mesmo curto, o papo foi suficiente para que continuassem a se comunicar com frequência durante os outros dias. 

 

Surgiu então a curiosidade e o interesse em se conhecerem e uma semana depois do match marcaram de se ver pessoalmente em um local público, o bairro da Jaqueira, em Recife. O primeiro encontro foi permeado de receios, "será que ele/ela é quem diz ser?", "será que isso aqui vai além de uma amizade?", entre tantas outras dúvidas inerentes ao início de um relacionamento romântico somadas a outras relacionadas ao contato online. 

Lorena admite que existia o risco das informação passadas por Henrique serem manipuladas ou falsas, entretanto, decidiu arriscar mesmo assim porque as afinidades eram maior que o medo. Ela também havia tomado o cuidado de colher informações sobre o rapaz com professores do ensino médio que eles tiveram em comum, isso deu confiança para que continuasse a conversar e posteriormente terem um encontro. 

 

Pessoalmente, as coisas correram bem e daquele dia em diante passaram a sair cada vez mais. Havia sim o receio de estarem indo muito rápido, o tipo de sentimento que com a dinâmica e rapidez das redes está cada vez mais crescente na sociedade. Porém, conteram as expectativas e um mês após o encontro iniciaram o namoro. Lorena declara "Eu não me arrependo, hoje a gente tá junto faz três anos e eu gosto muito da companhia dele, eu adoro a família dele, ele é super gente boa."

a escolha errada

 

Existem tanto vantagens quanto desvantagens em optar por conhecer pessoas por meio das redes sociais. Assim como na vida real é preciso tomar medidas de precaução, como não compartilhar informações íntimas e estar preparado(a) emocionalmente para um envolvimento.

 

Muitas pessoas ficam vulneráveis, principalmente por problemas enfrentados na vida cotidiana e, por isso, buscam experimentar nas mídias sociais sentimentos que na vida real nunca puderam vivenciar, seja por barreiras financeiras, territoriais ou psicológicas, como nutrir uma baixa autoestima.

 

O risco surge quando, por essa vontade de se relacionar ou por quererem provar algo para si mesmas, as pessoas tomam escolhas erradas como falsificar identidades. A psicóloga Clara Santos aponta que uma das razões que levam os indivíduos a agirem assim é a sensação de anonimato na internet.

 

O anonimato das relações virtuais permitem que as pessoas se exponham com maior segurança sem serem identificadas. Muitas dessas pessoas passam a ter atitudes que jamais teriam fora desse círculo virtual”, explica. Essa falsificação de identidade é arriscada e pode ter sérias consequências. Clara atenta para um importante ponto: “Um outro grande perigo é também quando a "farsa" envolve terceiros”.

 

Em situações em que outras pessoas são manipuladas a ponto de se apaixonarem por uma história fantasiosa criada por alguém que tenha um perfil falso nas redes sociais temos um caso de “catfish” (peixe-gato em tradução literal do inglês, conhecido como peixe-bagre no Brasil). 
 

 

A prática de catfish consiste em enganar alguém online fingindo ser outra pessoa com o intuito de criar laços românticos com as mesmas. As pessoas que são vítimas dessa  manipulação não se apaixonam por alguém real, mas por fotos e textos de quem imaginam e alimentam convicção de que se trata o indivíduo personificado no perfil.

 

Esse caminho resulta em sofrimento para ambas as partes, tanto para quem engana, quanto para quem é enganado. As pessoas que se relacionam criam de fato uma rede de afeto. Como em uma teia de aranha, elas passam a ignorar certos sinais que poderiam revelar que tudo não passa de uma fraude.

 

Clara Santos afirma que nem sempre as vítimas de relacionamentos com perfis falsos estão preparadas para encarar a verdade. As razões para esse indivíduo que foi afetado emocionalmente continuar o contato com a pessoa que o enganou são imprecisas e variam para cada caso. 

Não dá pra se dizer corretamente o que pode levar uma pessoa a continuar em uma relação com alguém mesmo sabendo que esse é fake. Pode ser carência e apego? Sim. Mas também pode haver outras dinâmicas implícitas”. Clara ainda complementa, “elas passaram tanto tempo convivendo e acreditando naquela pessoa que fica difícil desconstruir o personagem. Então, a ilusão permanece

ainda que se prove o contrário”. 

 

 

Os resultados dessas relações tóxicas podem ser vários como incapacidade de confiar novamente nas pessoas, receio de voltar a utilizar redes sociais, e até mesmo problemas mais complicados relacionados a saúde mental. Isso vai depender da intensidade da história vivida, das mentiras sustentadas e do tempo de contato. 

“A PESSOA SE APAIXONA POR UM PERSONAGEM QUE VOCÊ ATRIBUI CARACTERÍSTICAS”

Eu fazia a pessoa se apaixonar por mim e eu acho que, no fundo, a ideia era essa. Como ninguém gostava de mim, como ninguém se apaixonava por mim, eu acho que isso era alguma coisa para alimentar o meu ego, entende?

 

É dessa forma que Lenize Oliveira, 21 anos, tenta achar razões para às vezes em que enganou pessoas com seus perfis online. A jovem viveu em um mundo virtual fake durante 11 anos, e nele criou diversos perfis femininos.

 

Ela conta que se esforçava ao máximo para tornar o perfil crível, utilizava fotos de garotas que considerava bonitas de várias cidade do Brasil. Entre amizades e namoros reais com pessoas que conheceu online, a garota também manipulou usuários.

 

A gente pensa que a pessoa se apaixona por você, mas a pessoa se apaixona por um personagem que você atribui as características.” 

golpes amorosos

O catfishing normalmente está associado a casos amorosos que podem ou não envolver fraude criminosa. Os golpistas que agem dessa forma e tem como finalidade usurpar bens recebem o nome em inglês de scammers.

 

Mesmo com tantas informações acerca da temática e as advertências relacionadas ao cuidado com relacionamentos virtuais, romances online que se revelam uma grande farsa acontecem frequentemente no ciberespaço.

 

De acordo com dados do dfrn, laboratório especializado em segurança digital, divulgados pelo site Psafe, nos dois primeiro semestres de 2019 , mais de 220 perfis fakes  de scammers foram detectados.

 

a origem do termo

Foi a partir do lançamento do documentário Catfish que  o termo se popularizou com maior intensidade. A prática já era tão conhecida que a palavra tornou-se uma gíria no inglês para descrever situações de enganação amorosa por perfis fakes.

 

No filme, acompanhamos a história do fotógrafo norte-americano Nev Schulman, de suas correspondências com uma menina chamada Abby e com a família dessa garota. Nev chega a se envolver romanticamente por Megan, irmã mais velha de Abby.

 

O fotógrafo ficou mundialmente conhecido por ter sido vítima de catfish. Na verdade, toda a sua história com Abby não passava de uma manipulação de Angela Pierce, mulher de 40 anos que dizia ter 20 e administrava uma rede com 15 contas falsas no Facebook.

 

O documentário é tão impressionante que posteriormente o fotógrafo passou a apresentar um programa de TV na emissora MTV. Nesse programa, Nev junto a um outro apresentador, Max Joseph, investigam namoros online para descobrir se as pessoas são reais ou fakes.

Por mais que a nomenclatura catfish seja recente, a prática já existia antes mesmo do advento da internet. A matéria Romantic Deceit via Telegraph: How 'Catfishing' Worked in the 1880s (em inglês) do jornal norte-americano The Atlantic mostra como a literatura retrata um emblemático caso de enganação por meio de conversas telefônicas.

Ao fim do texto é possível notar que a graça do contato entre as pessoas era fantasiar como a outra seria, tanto que quando eles descobriram o aparencia real um do outro os personagens preferiram continuar fingindo. De fato, ao se relacionar pela internet o lado lúdico entra em cena.

como manter uma mentira nas redes sociais

Até que ponto conseguimos intencionalmente dissimular quem somos? A psicóloga Yasmim Ferreira afirma que na internet é mais fácil enganar uma pessoa, pois em uma conversa no mundo real há sinais corporais que podem entregar se estamos ou não mentindo.

 

Quando estamos mentindo existem sinais que podem sim nos entregar como, por exemplo, a entonação da voz, o contexto que a pessoa está elaborando a mentira, gestos corporais também, porque o corpo fala. Nosso corpo a todo tempo fala, a medida de quando a gente está nervoso, ansioso, feliz, triste, ou mentindo”. Ela ainda explica que virtualmente não há como identificamos esses sinais pois para visualizá-los é imprescindível um contato físico.

 

Se no mundo real é difícil para os seres humanos tornarem uma narrativa falsa crível, visto que lembrar as informações que foram passadas anteriormente e sustentar a farsa é uma tarefa dificultosa, no ciberespaço existem maiores facilidades. 

 

Primeiro, não é necessário reprimir gestos corporais involuntários, a tela nos protege da dinâmica de conversação face a face. A internet propicia uma interação desterritorializada, ou seja, um modo de relacionar-se com outras pessoas sem que seja necessário a presença física.

 

A distância garante que não será obrigatório lidar com as expressões dos outros, nem revelar as nossas. Segundo, para tornar uma mentira plausível é necessário relembrar informações previamente passadas. Fazer isso nas redes sociais é relativamente simples, basta reler as conversas no chat ou rever as publicações. 

 

Cecília Almeida, professora do Curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) explica “Uma série de questões, de regras que valeriam para as interações face a face, elas ficam mais frouxas nos ambientes (virtuais), então, a gente tem menos vergonha de algumas coisas que a gente poderia pensar porque não vai estar lidando com a expressão do outro e a gente pode também construir essa personalidade que as vezes é fantasiosa sobre nós”. 

 

Mentir para agradar alguém nas redes também é mais fácil na atualidade. Isso porque os limites de vida pública e privada na pós-modernidade estão cada vez mais tênues. As pessoas mostram suas experiências em seus perfis online, publicam fotos de si mesmas, as coisas que gostam ou que desaprovam, mostram os locais que frequentam, os produtos que consomem, entre tantas outras informações. 

 

Essa dinâmica da espetacularização do cotidiano já está naturalizada no mundo hodierno. Expor tantas pistas sobre nós mesmos em nossos perfis pode ser uma má ideia, afinal, se alguém cria um perfil fake com a finalidade de aproximação fica bem mais fácil forjar interesses em comum. 

 

 

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Capa do filme Catfish. Fonte: Reprodução.

como descobrir um catfish

A farsa tem furos. Não é raro que os usuários de contas falsas inventem um verdadeiro roteiro de filme fora do cotidiano real das pessoas. A vida estampada por eles é sempre agitada e cheia de privilégios. Clara Santos explica que as razões para essa escolha de “personagem” vem do contexto social em que estamos inseridos. Como nossa sociedade valoriza o poder aquisitivo, a estética padrão nórdica e a popularidade, são justamente esses valores que os criadores de contas falsas assumem. 

 

Um evidente sinal de que a conta não passa de um perfil falso são as frequentes recusas de um encontro pessoal. Os enganadores analisam a vulnerabilidade das pessoas e as fisgam mostrando-se compreensivos e companheiros. Quando pretendem se afastar ou por fim a história antes de serem descobertos é comum fingirem uma grande doença, uma viagem de última hora para uma ilha distante ou até mesmo o óbito. Há aqueles ainda que simplesmente somem. Em todos esses casos, quem sofre é a vítima da manipulação.

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