Uma investigação sobre o que podemos ser no mundo virtual
Você já deve ter ouvido falar em perfis fakes
Da sua criação até os dias atuais, o ciberespaço tornou-se cada vez mais significativo na vida de milhões de indivíduos. Neste exato momento, diversas pessoas ao redor do mundo estão conectadas a rede e muitas delas não são
quem dizem ser em seus perfis virtuais.

Ilustração: Ryan Yves
Fake é uma palavra que vem do inglês e que em livre tradução significa falso. Segundo o Dicionário Online de Etimologia a origem do termo é desconhecida. Nos últimos anos, ela se popularizou em razão das polêmicas envolvendo a disseminação das chamadas fake news, ou notícias deliberadamente falsas, na disputa presidencial norte-americana de 2016.
Durante essa eleição, o candidato republicano Donald Trump venceu a corrida eleitoral contra a democrata Hillary Clinton. Trump vulgarizou o termo fake news por utilizá-lo para deslegitimar informações contrárias a sua candidatura divulgadas por veículos midiáticos adversários.
No contexto de redes sociais, a palavra fake é
comumente empregada para descrever usuários que não são verdadeiros.
Os perfis fakes são baseados em informações inverídicas publicadas por quem os utilizam. Não é possível identificar nessas contas quem está do outro lado da tela apenas pela leitura das informações cadastrais disponibilizadas.
Existem várias gradações do que se pode chamar de perfis fakes. No ciberespaço, os limites realmente são amplos. É possível encontrar contas falsas de pessoas, personagens ou até mesmo objetos. Esses perfis podem tanto ser ministrados por usuários reais quanto por programas de computador, os chamados bots.
Quando se trata de contas utilizadas por seres humanos essas podem ser produzidas para diferentes fins e são justamente esses propósitos que irão defini-las. Seu uso pode ser motivado tanto por intenções positivas, como superar a timidez ou se enturmar com grupos, quanto por negativas, como causar prejuízos aos outros e até mesmo cometer crimes.
É comum que esse tipo de conta seja associada aos usos negativos que certos indivíduos fazem dela. Entretanto, André Ramiro, diretor e fundador do IP.rec - Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife e Google Policy Fellow da ONG Derechos Digitales, afirma que um perfil fake pode sim ser utilizado de um bom modo, como forma de subverter a lógica da constante exposição que os usuários vivenciam hoje na rede.
"A lógica de criar um perfil fake também pode ser de resposta a um avanço de práticas abusivas e violentas, uma estratégia que permite expressar opiniões sem medo de ser alvo de vigilância, ameaças e discursos de ódio. Até certo ponto, pode ser diretamente associada à garantia da liberdade de expressão", explica André.
Desde a sua difusão, o ciberespaço é tomado como um local de liberdade para se interagir da forma que convém aos usuários. Por isso, basta ter um e-mail, acessar a rede e usar a imaginação para inventar um perfil. Entretanto, evidentemente, fingir ser um outra pessoa tem suas consequências e pode até mesmo resultar em processos legais a depender de como se usa a imagem do outro.
Enquanto na vida real a norma é “um corpo, uma identidade”, no ciberespaço as possibilidades são múltiplas.
A psicóloga Clara Santos, explica que devido a variedade de objetivos por trás da criação de contas falsas não
é possível analisar todos de um mesmo modo. Contudo, existem atitudes que podem elucidar o que leva determinadas pessoas a alimentar um perfil fake nas redes sociais. Clara explica:
"Podem existir vários motivos, desde o tédio, até o desejo de conhecer novas pessoas, passando pela necessidade de se autoafirmar ou até mesmo a 'possibilidade' de se viver a vida dos sonhos".
A psicóloga também cita o conceito de relações
líquidas criado pelo sociólogo polonês Zygmunt
Bauman. Segundo essa análise da época contemporânea, as relações estão se constituindo
de forma superficial e descartável. O contato entre
as pessoas está cada vez menor e mais rápido. Como
o próprio Bauman afirma "as relações escorrem
pelos vãos dos dedos” e é nesse contexto
que os vínculos virtuais se fixam.
A professora do curso de Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Cecília Almeida explica que a permissividade
atrelada ao ambiente virtual proporciona ao
usuário a oportunidade de assumir várias
versões de si mesmo.

O ciberespaço facilita a criação de perfis falsos, mas não é ele que inventa essa possibilidade. É porque de fato a gente pode assumir diversas personalidades nas redes.
As vezes, para cada mídia que você utiliza você pode criar múltiplos perfis e cada um desses perfis pode ser administrado da maneira com você acha melhor.
Cecília Almeida
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A IDADE DE QUEM CRIA PERFIS FAKES
É comum que perfis fakes sejam criados durante a juventude, fase da vida em que as pessoas ainda estão amadurecendo e aprendendo a lidar com os relacionamentos interpessoais. "O desejo de se autoafirmar e agradar é bem comum na adolescência, o que pode levar a esse público a aderir com mais intensidade a criação de perfis fakes nas redes sociais. Porém, não é a regra", explica a psicóloga Clara Santos.
A professora Cecília Almeida afirma que o ato de usar perfis que não correspondem a identidade "real" de seu utilizador nasce com a própria internet. "Não tem exatamente um perfil demográfico do fake, cada caso vai ser um caso específico porque isso tem a ver com o modo que a internet se popularizou no Brasil e no mundo. Esse tipo de prática termina sendo apropriada pelos usuários de internet como um todo", conclui.
Portanto, pessoas de diferentes idades podem se esconder atrás de uma conta falsa. A jornalista Bruna Freitas, autora da pesquisa Vida off & vida fake: antagonismos ou semelhanças nas redes sociais (2014), entrevistou vinte brasileiros usuários de perfis fakes, 11 mulheres e 9 homens, de distintas idades. Os resultados podem ser conferidos no gráfico à direita.
A explicação para que pessoas de diferentes faixas etárias tenham contas fakes tem origem, como já citado anteriormente, da variedade de motivações para criá-las. Clara também pontua que, independente da idade, pessoas muito tímidas e com baixa autoestima têm grande propensão a mergulhar no mundo dos falsos perfis.

MÉDIA DE FAIXA ETÁRIA DOS USUÁRIOS DE PERFIS FAKES ENTREVISTADOS
FONTE: Pesquisa Vida off e vida fake: antagonismos ou semelhanças nas redes sociais (2014).
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LOUISE CALASANS NUNCA EXISTIU ALÉM DA INTERNET
Em 2012, no perfil do Facebook de Louise Calasans era possível acompanhar a vida de uma adolescente brasileira comum. Contudo, o que parecia verídico não passava de uma conta falsa. Louise foi apenas um dos seis perfis fakes criados pelo estudante universitário Henrique*, 22, que naquela época não passava de um garoto de 14 anos com imaginação fértil.
Ele levava a enganação como uma brincadeira e com a identidade falsa espreitava a vida de outras pessoas. "Eu achava engraçado! Na verdade, era um misto porque além de achar engraçado eu tinha curiosidade em descobrir coisas da vida alheia mesmo. E o fake era uma coisa que eu poderia fazer isso me divertindo, então, eu juntava o útil ao agradável e ia", revela.
Para tornar o perfil aparentemente verídico, Henrique usava fotos com baixa resolução de uma jovem desconhecida. Ele escolheu a conta de alguém que morava em Brasília, pois quanto mais longe de Camaragibe (PE), cidade onde Louise supostamente morava, melhor. Assim não haveriam suspeitas. Para o rapaz, o fake era uma diversão compartilhada. Henrique conta que uma amiga sua na vida real também criou um perfil para simular amizade com Louise e dar veracidade a história.
Atualmente, o estudante relembra o tempo de seus perfis fakes com bom humor. "As vezes eu pensava 'Meu Deus, que perda de tempo'. E realmente era uma perda de tempo, mas também era uma forma de distração mesmo e eu adorava. Mas eu não vejo mais graça nisso" , conclui.
O nome foi alterado para proteger a identidade da fonte.*
